13.8.04

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A Doutora Ana ao telefone, quer atender?Mastigou silêncio, não estava com disposição para aturar desaforo de Secretário de Estado. Sofia, quando vou a Lisboa? Tem reunião no planeamento, dia 8, quarta, ás onze, senhor Engenheiro, Passe, então. Como está senhor engenheiro? Bem e a Aninhas? Isto está um inferno, Imagino, imagino, olhe, Aninhas transmita ao Dr. Antero que prefiro falar com ele sem ser pelo telefone (antecipara-se). Vou estar aí depois de amanhã, a partir das três, estou livre, Deixe ver senhor engenheiro, deixe ver, às 18 senhor engenheiro! Pode ser? Sim Aninhas, pode, fica marcado. Um beijo, Muito bom dia senhor Engenheiro. Sofia, marque para dia 8 ás 18 no ministério. Adivinhava o assunto e o chorrilho de justificações que sua excelência menor ia dar, por o ter feito perder horas a fio na elaboração do parecer. Não tinha paciência para estes lamentos. Podia ter marcado para o almoço, tornava tudo menos formal, mas o almoço era sagrado. Só mesmo quando não tinha hipótese nenhuma, aceitava almoçar e falar de trabalho e assuntos correlacionados. Era espaço só para ele, para se reflectir, já que o dia a dia lhe voava sem contemplações. Por outro lado fazia questão de alguma formalidade. Era uma defesa para o seu coração de manteiga. Conseguia transmitir uma frieza equilibrada, quando posto em cenário formal, noutros contextos, deixava que a ingenuidade e o voluntarismo tomassem conta do ambiente, e a conversa que iriam ter necessitava desse distanciamento emocional.
O dia chegara ao fim, agora sentia-se bem e sorria por ter ido à empresa. Não tinha que provar nada a ninguém, nem sequer prestar contas, mas fazia do trabalho um modo de vida que levava com entusiasmo. A empresa crescera com ele, de forma cautelosa. Tinha credibilidade no mercado, todos os anos aventuravam-se em novos desafios, em novas competências. Ousava, criava metodologias, fundia-se nos assuntos, analisava, propunha. Dava liberdade de acção, a todos os seus colaboradores, colaboradoras, para ser mais preciso, vinte e quatro, para não fugir à exactidão. Vezes sem conta perguntava-se o porquê de só trabalhar com mulheres, mas invariavelmente nas entrevistas, seduzia-se pelo arrojo, pelo acreditar que cada uma demonstrava. Detectava uma honestidade intelectual diferente entre eles e elas, e uma muito maior responsabilidade nos projectos que ficavam sobre a sua responsabilidade (sindroma maternal?). Apreciava quem o olhasse nos olhos, quem o avaliava, e elas eram incisivas nesse aspecto, havia uma espécie de orgulho altivo, feminino, de acreditar nas suas próprias capacidades, que os homens não demonstravam e isso era determinante e valia muito mais do que o curriculum. Eles, os poucos que questionavam, só chegados ao fim da entrevista, em gaguejos e em sons quase inaudiveis, perguntavam quanto é que seriam os honorários, menos ainda, se haveria contrato e qual a duração, elas não, queriam saber tudo, a Teresa chegou ao descaramento de pedir as contas da empresa nos últimos três anos, e não se deixou intimar com a negativa, provocadora, insistiu, desculpe senhor Engenheiro, mas dessa forma não posso tomar uma decisão. Lembra-se de ter levantado o sobrolho em olhar ameaçador, com quem diz, então menina, a decisão a tomar é minha ou sua? à qual ela respondeu com idêntico sobrolho levantado, em silêncios cúmplices, que se uniram em gargalhada espontânea de ambos, à qual se seguiu nova provocação, a que horas começo senhor engenheiro, Já começou, cara doutora, já começou! Nunca despedira ninguém, tinha orgulho na sua equipa. Dava igual importância a todos os clientes, fosse eles, empresa artesanal, ou de maior dimensão e influência. O que gostava mesmo era de pegar em coisas pequenas e dar-lhe dimensão. Todo ele brilhava, por fora, por dentro, quando um projecto novo, se lhe colava no querer.

Chegara a hora do dia que ele mais gostava, a sua hora, a hora em que se libertava de tudo e visitava o seu Rio em passo de corrida, por caminhos só dele. Patinhavam reflexões, ele, pensamentos, o rio, cores e imagens. Simbiose perfeita do seu existir.