3.8.04

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Agarrou livro, sem o ler, olhava o vazio, revia as últimas horas, os desencontros que tivera com alguns dos empresários que levara e as discussões havidas, pela postura tomada por uns, poucos, na forma de olharem Africa. Pensou na relutância que tinha em dar nome de País aos lugares africanos, via e sentia Africa poeticamente como um todo. Arrepiava-se ao imaginar costumes nómadas, a mostrarem passaportes, entristecia-se, apesar de querer ardentemente compreender, o desentendimento tribal que vulcanizava em sangue toda o continente, fonte de vida e de riqueza para o Mundo. Paradoxos que lhe tiravam o sono e o encobriam de melancolia e resignação. Queria sair de si, da sua pele e deixar de sentir. Queria ter o poder de se ausentar, de se murar do ver.
Não pediu o despertar, sabia-se. Não iria dormir, estava envolto numa inquietude semi-nostálgica, por isso mais valia trabalhar. Havia relatórios a fazer, avaliar resultados, listar prioridades de afazeres, assim que chegassem, para manter vivo o interesse dos contactos estabelecidos. Cumprir promessas. Criar confiança, através da preocupação, da cordialidade e da presença. Mecânico telefonou para a sua colaboradora e orientou pormenores que sabia já estarem executados, enaltecendo atitudes, antes de um boa-noite, parabéns, correu tudo muito bem, obrigado por tudo. Teresa merecia estes pequenos nadas de auto-confiança, estava a dar os primeiros passos nestas lides, empenhava-se com todo o voluntarismo de quem tem ambição de fazer bem. Sabia que pequenos gestos que confirmavam decisões acertadas, iriam sedimentar auto-suficiência na acção e esse era o rumo que gostava de dar aos seus colaboradores. Conseguia envolvimento, porque todos acreditavam neles próprios. Eram equipa e isso dava-lhe uma grande tranquilidade, porque sentia que desse modo poderia fazer sempre mais, dar mais um passo. Quando algo corria mal, era o primeiro a dizer que teria feito o mesmo e que não se desculpava de não ter previsto o erro. Criava cumplicidades e fidelidades. Sentia-se bem, quando olhava a sua equipa e sabia que contava com todos eles de igual modo.

O autocarro desencobria a pobreza que ia ficando para trás à velocidade de uma janela, que corria em sentido contrário. Na noite do novo dia, estaria em casa. Já só pensava na quietude do seu refúgio. Mecanizou-se e deixou-se ir. Transformou-se em passageiro, com nº de bilhete, burocracias e de coisas que não engavetava no sentir.