29.7.04

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Gaspar, (Mestre ficará para outras intimidades, mais familiares. Ele responderá ao chamamento, com um, meu filho, ou minha filha, porque sabe que filho é sempre aprendiz, mesmo de sangues outros) sereno, a olhar a areia, dá passos de procura. Anda lento, ao ritmo dos sons que o rodeiam. Segue a respiração. Pausas continuas. São os seus passos. Parou e agarrou, pedra, seixo de muitas viagens. Afagou-o, limpou-o de pequenas migalhas de areia, mediu-lhe o peso e espessura. Colocou-o entre o polegar e o indicador destro (é só um pormenor, que poderá ser importante, não que os destros sejam diferentes, mas admito que exista uma maior agilidade mental. Gaspar, revelará que gosta de pensar fora do quadrado e do quadro…), olhou o céu encoberto, que devolvia tonalidades cinzentas, de dia quente, ao mar que se deixava ver. Respirou-o e em gesto de golfista, em linhas curvas, perfeitas, lançou seixo, em movimento que merecia desenho. Só ele sabe, quantas vezes saltitou no mar, pedra devolvida (tenho alguma simpatia pelo número sete, assim sabe ele e nós agora que a pedra rosa-castanho, saltitou sete vezes andes de mergulho nas águas que se reflectiam céu cinzento-leve).
Olhamos personagem desenquadrada na idade, gesto assim, faz menino, junto ao rio, ou rapaz junto ao mar, que lançam sonhos em pedras que saltitam vagabundas. Vezes, gestos solitários que pensam amores ou futuros, outras, em competição de sangue, mas leal entre amigos que pretendem pequenos instantes de glória, reconhecimento e respeito. Consideramos desenquadrada a atitude, o entusiasmo, porque não lhe temos intimidade, nem saber. O Mestre saberá mostrar-se por dentro o suficiente para lhe espreitarmos os sonhos e os gestos.
Sorriu, quando perdeu de vista a sua pedra. Sorriso só dele, escondido no seu bigode branco.
Sentiu dever cumprido, como se lançar um seixo no mar, que saltita e se afunda, é dever de cidadania, mas o sorriso, assim o determinava. Estava na hora de voltar a casa. Foi, depois de massajar o cabelo branco-velho, com agua a cheirar a mar. Seguiu lento sem se voltar.
A paisagem modificou-se, em pequenos nadas. O cinzento, que já era leve, rendilhou-se aqui e ali, formando pequenas ilhas de luz no mar, umas maiores, outras mais pequenas, mas todas dourado-prata (são apenas acasos, o facto das pequenas ilhas de luz parecerem estarem no rasto dos saltos da pequena pedra e de serem sete as ilhas de luz, que se fixaram em momentos de cor. Acasos que nada tem a ver com a história. Só o sorriso do Mestre antevê premeditação em mentes mais místicas, mais dadas a outros pensares. Fiquemos com as coincidências que nos traçam os caminhos).
Gabriela, que continuava no seu jogo, distraiu-se, perdendo-se da bola. Esperava Sol enquanto jogava, e aquele reflexo-luz no meio do mar, mesmo ponteado, era prenúncio de sol. Estendeu a toalha, tomou livro e deitou-se.
Lê, com os lábios, divertida (mostra indefinição, incredulidade, pois precisa de ouvir o que os olhos pensam). Lê poesia. Faz pausas, afaga as páginas com carinho. Volta a trás e relê. Saboreia as palavras que imita com os lábios. Ouve o ritmo, a rima do poeta. Sorri, plena de si.