25.8.04

19

Adormecera com a cidade, a ouvi-la, desinquieto a revolver o dia e os olhos negros que lhe voavam em forma de mulher, não sentia atracção física, sentia cumplicidade, complemento e doçura, (prazer, dizemos nós que quase o sentimos também, só de olhar para Joaquim). Adormeceu sem sonhos, de vez só.
Passou o dia desligado dos movimentos, quase apático. Parecia estar a ouvir melodia interior, só dele. (Atentos aos gestos, vimos o Joaquim a pegar no telemóvel vezes, várias, hesitante, a recuar nos gestos e na intenção).
Saiu cedo. Até amanhã Sofia. Vai já senhor Engenheiro? Até amanhã Sofia. Provavelmente, amanhã venho só à tarde, já falei com a Teresa.
As horas que se seguiram na empresa foram de agitação, reunidas de emergência, alertadas por Sofia, todas as colaboradoras questionavam a saída intempestiva do amigo e companheiro, porque na verdade era assim que o sentiam, amigo, sempre disposto a puxar por elas, quando o desânimo pousava no olhar de cada uma. Era fechado, praticamente não falava dele, mas sabia de todas, uma por uma, as suas vidas. Vai deixar a empresa, dizia Marta, viram-lhe os olhos? Não, anda doente, afirmava Teresa, Outro dia espreitei-o, estava branco de cal, agarrado à cabeça! Está é cansado, farto das nossas fofoquices, dizia quase escondida na voz, Maria João, lembrada da última reunião em que Joaquim as deixou a falar sozinhas por terem descambado em ciumeiras tolas e protagonismos exacerbados, conforme vieram a reconhecer mais tarde entre elas. Ficaram de esperar até ao dia seguinte, sentiam que chegara a hora de serem elas a animá-lo.

Joaquim estava na verdade estranho, sentia-se dependente, não sabia muito bem de quê. Apetecia-lhe fazer mil coisas ao mesmo tempo, mas sentia-se vazio, faltava-lhe a sombra. Sim? Gabriela? Siiiim, Joaquim, olá, estava a ligar-te…Olha pequenina, hoje há noite no Centro de Artes e Espectáculos na Figueira, há um concerto de Jazz, posso ir buscar-te? Jazz? Joaquim corou, fora indelicado, não fazia ideia alguma se Gabriela gostava ou não daquelas sonoridades. Que raio de feitio, pensou, Podemos ir a outro sitio, se quiseres, na verdade gostava de sentir a tua companhia…A que horas? Teve vontade de soltar um, agora, impulso travado a tempo que apenas se soltou pelos olhos, A que horas acabam as aulas? Tinha retomado o controlo da situação, Hoje não tenho, mentiu Gabriela, Jantamos então? Retorquiu com ansiedade e palpitações. Siiiim, apanha-me no Gira às sete e meia, pode ser? Joaquim estava nas nuvens, não sabia o que sentia, se bem, se mal, estava diferente. No ouvir ficava o prazer em eco do Siiiiiim, prolongado que só Gabriela sabia cantar. Sim, filhota, apanho-te ás sete. Ele não se apercebeu, ela não emendou, ganharam meia hora os dois!