28.7.04

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Cruza-me o olhar, velho, de pé, curvado de vida, a olhar o mar (desagrada-me ainda mais esta palavra, velho. Idoso, também, provoca careta, arrepio. Avô, gosto, será certamente, mas ainda não lhe criei história, prefiro chamar-lhe Mestre. Sei do abuso, não me conhece, não o conheço, apenas lhe cruzei olhar, mas a curvatura do corpo indicia que transmitiu saber, a muitos, todos mais jovens, daí a sua serenidade, de quem olha o mar cheio de confiança e sorriso-alma).
Mas o que me parou, a interiorizar esta nova personagem, foi o bigode, branco-branco, como o sorriso de Gabriela. Terão parte de caminho comum, na minha história. É uma inevitabilidade.
Intrigou-me este potencial avô, pela sua serenidade e a forma como me olhou, em quase intimidade. Sorriu-me tão ao de leve, que teve o efeito de uma tempestade que se mostra ao longe. Adivinho, interesse curioso por esta personagem da história que se atormenta no meu sentir. Tento pareceres com Mestres que me construíram o saber. Vasculho vagabundo as gavetas desarrumadas do existir, mas apenas encontro ao de leve, o olhar calmo defronte ao mar, de amigo que me ensinou a ver Deus pintar o céu com as nuvens e a descobrir-lhe formas, para fingir pequenas histórias que lhe contava, quando de mão dada, deitado na praia, me punha a criar bonecos no céu e a apontar para eles embriagado de felicidade. Ensinou-me mais, mas essa é história minha.
Nome: de rei sem reino, Gaspar. Gosto. Ficará Gaspar e decididamente, não será avô.
Estava sozinho na praia…